https://www.dropbox.com/s/s1njxo6xirqad9q/o_autor_do_pecado_vincent-cheung.pdf
Original inglês:
https://www.dropbox.com/s/ovyeojia9laon3c/author_of_sin.pdf
O Autor do
Pecado
Vincent
Cheung
(Tradução:
Rafael Abreu)
Apologética é
fácil, mas frequentemente é dificultada devido às tradições não
bíblicas e suposições irracionais.
Quando os
cristãos são questionados se Deus é o “autor do pecado”, eles
respondem com rapidez: “Não, Deus não é o autor do pecado.”
Então eles se contorcem no chão, tentando dar ao homem algum poder
de “autodeterminação” [1], e algum tipo de liberdade que, em
suas mentes, tornarão os homens culpados [2], e ainda assim deixará
Deus com Sua soberania total.
Por outro
lado, quando alguém alega que minha visão de soberania divina faz
de Deus o autor do pecado, minha primeira reação tende a ser: “E
daí?” Até mesmo cristãos que discordam de mim, estupidamente
entoam: “Mas ele faz de Deus o autor do pecado!” Entretanto, uma
descrição não corresponde a um argumento ou objeção, e nunca me
deparei com alguma explicação decente com o que há de errado em
Deus ser o autor do pecado em qualquer trabalho teológico ou
filosófico escrito por qualquer pessoa de qualquer perspectiva.
A verdade é
que, se Deus é ou não o autor do pecado, não existe problema
bíblico ou lógico quanto a isso. Para que seja um problema, isso
deve tornar falso algum ponto do Cristianismo ou contradizer alguma
passagem da Escritura. Mas se Deus é o autor do pecado, como isso
torna o Cristianismo falso? Alguém deve construir um argumento
através de premissas estabelecidas mostrando que, se Deus é o autor
do pecado, chegamos à conclusão que o Cristianismo é falso. Que
argumento é esse? E qual passagem da Escritura isso contradiz? Você
pode citar qualquer passagem que quiser, mas terá de mostrar que
esta necessariamente se aplica à questão e faz impossível o fato
de Deus ser o autor do pecado. Onde está essa passagem da Escritura?
Dentre muitas
respostas falaciosas, está o apelo à Tiago 1:13 [3]. Utilizar esse
verso para negar que Deus é o autor do pecado é uma das piores más
aplicações da Escritura, e porque esse erro é muito popular e
influente, causou muito estrago e gerou um fardo desnecessário
àqueles que defendem a fé.
Considere o
contexto. Tiago está discutindo em sua carta o resultado prático da
fé Cristã, sendo assim, ele frequentemente enfatiza a
responsabilidade direta dos Cristãos, e da perspectiva imediata dos
Cristãos. Tiago está mostrando o que o Cristão deveria considerar
e tratar em suas lutas como Cristão – ele não está lidando com
metafísica.
Ou seja, ele
está tratando de tópicos do ponto de vista do Cristão, que dizem
respeito à considerações e responsabilidades imediatas e não de
princípios de metafísica.
Porém, quando
estamos discutindo a soberania de Deus versus a liberdade humana,
causa e efeito, etc., na verdade estamos lidando com metafísica. É
claro, as conclusões alcançadas neste nível conduzem,
necessariamente, à aplicações práticas, e os ensinos bíblicos
sobre metafísica e aplicações práticas são completamente
consistentes uns com os outros. Porém, é verdade que, enquanto a
discussão permanecer no nível metafísico, o referencial é
diferente, de maneira que deve-se ter cuidado para não inferir
invalidamente um princípio metafísico a partir de um versículo de
instrução prática.
Com isso em
mente, leia a passagem outra vez. Ela não afirma ou nega que Deus é
o autor do pecado – nem mesmo aborda o tema; seu objetivo é
completamente diferente. O texto apenas nos diz que Deus não é o
tentador, o que é completamente diferente de dizer que Deus não é
o autor do pecado.
Ou seja, se
Deus diretamente te faz pecar, isso não faz d'Ele o “autor” do
pecado (pelo menos no sentido que as pessoas geralmente usam a
expressão*), mas o “pecador” ou o “transgressor” ainda é
você. Uma vez que pecado é a transgressão da lei divina, para que
Deus seja pecador ou transgressor, nesse caso, Ele deveria decretar
uma lei moral que proibiria a Si mesmo de ser o autor do pecado, e
então, quando, de alguma forma, Ele agisse como autor do pecado, se
tornaria um pecador ou transgressor.
Mas a menos
que isso aconteça, o fato de Deus ser o autor do pecado não faz
d'Ele um pecador ou transgressor. Os termos “autor”, “pecador”,
“transgressor” e tentador são relativamente precisos – pelo
menos precisos o suficiente para serem distinguidos entre si, e Deus
ser o “autor” do pecado não diz nada a respeito de também ser
“pecador”, “transgressor” ou “tentador”. E não ser
transgressor significa, por definição, que Ele não fez nada
errado. Portanto, ainda que Deus seja o autor do pecado, não implica
que há algo errado com isso, ou que Ele seja transgressor.
Entretanto,
isso não afasta Deus do mal, pois ser o “autor” do pecado
implica muito mais controle sobre o pecador e sobre o pecado que
meramente tentar. Enquanto o satanás (ou a cobiça da pessoa) é o
tentador, e a pessoa é quem de fato peca, é Deus que controla
completa e diretamente ambos, o tentador e o pecador, e a relação
entre eles. E, embora Deus não seja Ele mesmo o tentador, ele envia
deliberadamente e soberanamente espíritos maus para tentar
(1Rs.22:19-23) e para tormentar (1Sm.16:14-23, 18:10, 19:9). Mas em
tudo isso, Deus é justo por definição.
O versículo
está dizendo que quando você lida com a tentação, você deve
tratar diretamente de sua cobiça, e não culpar Deus e ficar de
braços cruzados, ou permanecer no pecado. Leia todo o primeiro
capítulo de Tiago e veja se esta não é a ênfase óbvia. Tiago
trata da alegria, fé, perseverança, dúvida, orgulho, cobiça, ira,
imundície moral e sobre ser praticante da palavra. Ele está
tratando com as responsabilidades diretas dos cristãos na vida
prática, e faz isso relacionando todas essas coisas com os motivos
internos e com as características da pessoa.
No verso 13, o
autor está instruindo o crente sobre como abordar corretamente a
tentação – não tentando explicar a metafísica por trás disto.
Ou, ele está considerando responsabilidade do crente nos fatores
internos da santificação e não a causa metafísica ou princípios
para estes. Mas a causa metafísica ou princípio é exatamente o que
estamos discutindo quando consideramos se Deus é o autor do pecado.
Portanto, Tiago 1:13 não é diretamente aplicável a nosso tópico.
Se alguém ainda deseja negar que Deus é o autor do pecado, terá
que usar outro verso.
Aqueles que
citam Tiago 1 para reivindicar que Deus não pode ser o autor do
pecado poderá usar o verso 17 [4] para ratificar sua interpretação
do verso 13. Contudo, se o verso 17 é interpretado de maneira que é
consistente com essa interpretação do verso 13, então haveria
contradição com Isaías 45:7 [5]. Mas se o verso 17 é interpretado
corretamente de maneira que não contradiga Isaías 45:7, então não
mais confirma a falsa interpretação do verso 13. Um exame mais
detalhado do verso 17 terá de esperar, mas o que já foi dito torna
essa interpretação do verso 17 impossível, então não preciso
dizer mais para nosso presente propósito. O fato é que nada nessa
passagem de Tiago nega (ou afirma) que Deus é o autor do pecado.
O motivo e
efeito da resposta popular é satisfazer o padrão humano de justiça
e retidão. Dabney, Shedd e outros admitem que suas respostas
destina-se a satisfazer a intuição humana. Se não fosse pelo fato
que a soberania absoluta de Deus é repugnatne à intuição humana
pecaminosa, defeituosa pelo efeito noético do pecado, a questão do
“autor do pecado” não teria um ponto de entrada lógico na
discussão teológica.
Em contraste,
a abordagem bíblica para este tipo de questões e objeções não é
para justificar Deus, mas reprovar o homem por questionar e objetar.
Nossa passagem
em Isaías 45 é um exemplo:
"Eu
sou o SENHOR, e não há outro; fora de mim não há Deus [...] eu
sou o SENHOR, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu
faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas.
Porventura
dirá o barro ao que o formou: Que fazes? ou a tua obra: Não tens
mãos?
Ai
daquele que diz ao pai: Que é o que geras? E à mulher: Que dás tu
à luz?"
Em
outras palavras, “Eu sou o único Deus. Se é prosperidade ou
disastre, sou Eu quem faço todas estas coisas – não existe outro
deus para fazê-las. Você ousa a me questionar sobre isso? Quem é
você para contestar?”
Embora
esse verso não possa resolver todos os detalhes conclusivamente, ao
contrário de Tiago 1, tem algo a ver com metafísica. Ele é o único
Deus, e isto está inseparavelmente conectado ao fato de que Ele é
o único Deus que causa “todas estas coisas”, incluindo
prosperidade e desastre. Ele é quem faz todas elas. Isso é a
negação de qualquer tipo de dualismo – não existe nenhum outro
poder que pode fazer prosperar ou causar um desastre [6].
Ao
contrário da explicação tradicional, Deus não diz: “Oh, não,
Eu não sou o autor do pecado. Embora eu seja a causa final de todas
as coisas, eu me distancio de causar diretamente o mal estabelecendo
causas secundárias e agentes livres. Então, embora eu tenha criado
e sustente todas as coisas, os homens pecam livremente pensando e
agindo de acordo com suas próprias inclinações. As inclinações
para o mal vêm de Adão. Como Adão adquiriu esta inclinação para
o mal... bem, isso permanecerá um mistério para vocês.” Se esta
é a resposta, porque não ir direto ao mistério e poupar tempo a
todos nós?
A Bíblia
nunca responde desta maneira este tipo de questão e objeção.
Existem muitas passagens bíblicas dizendo que Deus causa todas as
coisas, e a metafísica por trás disso é explicada pela onipotência
de Deus – a mesma onipotência que criou todas as coisas. Por outro
lado, todas as passagens que as pessoas usam para negar que Deus é o
autor do pecado ou para provar a compatibilidade são sempre apenas
descrições de eventos e motivos, sem lidar com a causa metafísica
destes eventos e motivos.
Ao invés de
dar a resposta popular, que é fraca, evasiva, incoerente e confusa,
Deus desavergonhadamente declara: “Sim, Eu faço todas estas
coisas. O que você fará a respeito disso? Quem é você para me
perguntar sobre isso?” Quanto à metafísica, incluindo a relação
de Deus com as decisões humanas, se para o bem ou para o mal, é
assim que a Bíblia responde.
Então, lemos
em Romanos 9:19-21:
"Dir-me-ás
então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à
sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas?
Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste
assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa
fazer um vaso para honra e outro para desonra?"
Novamente,
aqui há algo a ver com a metafísica (determinismo, liberdade,
etc.), uma vez que o contexto tem a ver com eleição e reprovação,
e a criação dos eleitos e não-eleitos, como o oleiro faz o vaso a
partir da terra.
E,
ao contrário da resposta típica, Paulo não diz: “Oh, não, você
não entende. Embora Deus determine todas as coisas, Ele causa todas
as coisas apenas através de você tomando decisões de acordo com
sua própria natureza, que vem de Adão, cuja natureza
misteriosamente deixou de ser santa para ser má, de maneira que Deus
não é o autor do pecado, mas que você é responsável pelas
próprias decisões e ações.”
Em
vez disso, Paulo diz que o controle de Deus sobre ambos, o “nobre”
e o “comum”, é como o controle do oleiro sobre o vaso [7].
E assim como o vaso de barro não pode perguntar ao oleiro, a
resposta de Paulo a quem questiona não
é: “Mas vocês fizeram de
si mesmos pessoas más” ou “Vocês praticam o mal livremente de
acordo com a própria natureza”, mas ao invés disso ele diz:
“Porventura a coisa formada
dirá ao que a formou: 'Por
que me fizeste assim'?”
[8]
E Paulo não diz: “Mas Deus não é o autor do pecado” mas invés
disso, ele diz: “Deus tem o direito de fazer uma pessoa justa e
outra má, para salvar uma e condenar outra. E é claro, ninguém
pode resistir à Sua vontade! Mas quem é você para responder? ”
Esta
é a abordagem da Bíblia. Ela reprova quem questiona e responde a
objeção ao mesmo tempo. Mas a respota não nega que Deus é a causa
direta do pecado; invés disso, diz ousadamente que Deus tem o
direito de fazer o que Ele quiser e faz o que Ele quer. Ao invés de
recuar ou se desviar, vai de encontro a quem questiona e lhe dá um
tapa na face!
Esta
é a resposta de Deus. É forte, direta, simples, coerente e
irrefutável. É perfeita.
* O sentido,
aqui, é que Deus seja o culpado pelo pecado que alguém comete.
[1] Ver Hodge,
Dabney, Shedd, etc.
[2] Mas como já
disse repetidamente, não existe conexão entre liberdade e
culpabilidade.
[3] "Ninguém,
sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser
tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando
atraído e engodado pela sua própria concupiscência." - Tiago
1:13-14
[4] "Toda
a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das
luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação." -
Tiago 1:17
[5] Esse artigo
foi apresentado originalmente após uma discussão sobre Isaías
45:7, que diz: “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e
crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas.”
[6] Alguns
fazem uma distinção entre mal moral e natural, mas a Bíblia diz
que Deus causa ambos. Veja meu artigo “O problema do mal”**
**Este artigo deve ser traduzido em breve.
**Este artigo deve ser traduzido em breve.
[7] Obviamente,
isto é apenas uma uma analogia; na verdade, o controle de Deus sobre
nós é muito maior que o controle do oleiro sobre o vaso, uma vez
que o oleiro não criou o barro e seu controle sobre o mesmo é
limitado – por exemplo, ele não pode fazer o barro se tonar outro.
Mas Deus criou todo o material com o qual trabalha e tem controle
completo sobre ele.
[8] Assim,
Paulo afirma que os réprobos são feitos réprobos por Deus, mas que
eles não têm o direito de reclamar.
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