quarta-feira, 10 de julho de 2013

pdf dessa tradução:
https://www.dropbox.com/s/s1njxo6xirqad9q/o_autor_do_pecado_vincent-cheung.pdf

Original inglês:
https://www.dropbox.com/s/ovyeojia9laon3c/author_of_sin.pdf



O Autor do Pecado
Vincent Cheung
(Tradução: Rafael Abreu)


Apologética é fácil, mas frequentemente é dificultada devido às tradições não bíblicas e suposições irracionais.

Quando os cristãos são questionados se Deus é o “autor do pecado”, eles respondem com rapidez: “Não, Deus não é o autor do pecado.” Então eles se contorcem no chão, tentando dar ao homem algum poder de “autodeterminação” [1], e algum tipo de liberdade que, em suas mentes, tornarão os homens culpados [2], e ainda assim deixará Deus com Sua soberania total.

Por outro lado, quando alguém alega que minha visão de soberania divina faz de Deus o autor do pecado, minha primeira reação tende a ser: “E daí?” Até mesmo cristãos que discordam de mim, estupidamente entoam: “Mas ele faz de Deus o autor do pecado!” Entretanto, uma descrição não corresponde a um argumento ou objeção, e nunca me deparei com alguma explicação decente com o que há de errado em Deus ser o autor do pecado em qualquer trabalho teológico ou filosófico escrito por qualquer pessoa de qualquer perspectiva.

A verdade é que, se Deus é ou não o autor do pecado, não existe problema bíblico ou lógico quanto a isso. Para que seja um problema, isso deve tornar falso algum ponto do Cristianismo ou contradizer alguma passagem da Escritura. Mas se Deus é o autor do pecado, como isso torna o Cristianismo falso? Alguém deve construir um argumento através de premissas estabelecidas mostrando que, se Deus é o autor do pecado, chegamos à conclusão que o Cristianismo é falso. Que argumento é esse? E qual passagem da Escritura isso contradiz? Você pode citar qualquer passagem que quiser, mas terá de mostrar que esta necessariamente se aplica à questão e faz impossível o fato de Deus ser o autor do pecado. Onde está essa passagem da Escritura?

Dentre muitas respostas falaciosas, está o apelo à Tiago 1:13 [3]. Utilizar esse verso para negar que Deus é o autor do pecado é uma das piores más aplicações da Escritura, e porque esse erro é muito popular e influente, causou muito estrago e gerou um fardo desnecessário àqueles que defendem a fé.

Considere o contexto. Tiago está discutindo em sua carta o resultado prático da fé Cristã, sendo assim, ele frequentemente enfatiza a responsabilidade direta dos Cristãos, e da perspectiva imediata dos Cristãos. Tiago está mostrando o que o Cristão deveria considerar e tratar em suas lutas como Cristão – ele não está lidando com metafísica.

Ou seja, ele está tratando de tópicos do ponto de vista do Cristão, que dizem respeito à considerações e responsabilidades imediatas e não de princípios de metafísica.

Porém, quando estamos discutindo a soberania de Deus versus a liberdade humana, causa e efeito, etc., na verdade estamos lidando com metafísica. É claro, as conclusões alcançadas neste nível conduzem, necessariamente, à aplicações práticas, e os ensinos bíblicos sobre metafísica e aplicações práticas são completamente consistentes uns com os outros. Porém, é verdade que, enquanto a discussão permanecer no nível metafísico, o referencial é diferente, de maneira que deve-se ter cuidado para não inferir invalidamente um princípio metafísico a partir de um versículo de instrução prática.

Com isso em mente, leia a passagem outra vez. Ela não afirma ou nega que Deus é o autor do pecado – nem mesmo aborda o tema; seu objetivo é completamente diferente. O texto apenas nos diz que Deus não é o tentador, o que é completamente diferente de dizer que Deus não é o autor do pecado.

Ou seja, se Deus diretamente te faz pecar, isso não faz d'Ele o “autor” do pecado (pelo menos no sentido que as pessoas geralmente usam a expressão*), mas o “pecador” ou o “transgressor” ainda é você. Uma vez que pecado é a transgressão da lei divina, para que Deus seja pecador ou transgressor, nesse caso, Ele deveria decretar uma lei moral que proibiria a Si mesmo de ser o autor do pecado, e então, quando, de alguma forma, Ele agisse como autor do pecado, se tornaria um pecador ou transgressor.

Mas a menos que isso aconteça, o fato de Deus ser o autor do pecado não faz d'Ele um pecador ou transgressor. Os termos “autor”, “pecador”, “transgressor” e tentador são relativamente precisos – pelo menos precisos o suficiente para serem distinguidos entre si, e Deus ser o “autor” do pecado não diz nada a respeito de também ser “pecador”, “transgressor” ou “tentador”. E não ser transgressor significa, por definição, que Ele não fez nada errado. Portanto, ainda que Deus seja o autor do pecado, não implica que há algo errado com isso, ou que Ele seja transgressor.

Entretanto, isso não afasta Deus do mal, pois ser o “autor” do pecado implica muito mais controle sobre o pecador e sobre o pecado que meramente tentar. Enquanto o satanás (ou a cobiça da pessoa) é o tentador, e a pessoa é quem de fato peca, é Deus que controla completa e diretamente ambos, o tentador e o pecador, e a relação entre eles. E, embora Deus não seja Ele mesmo o tentador, ele envia deliberadamente e soberanamente espíritos maus para tentar (1Rs.22:19-23) e para tormentar (1Sm.16:14-23, 18:10, 19:9). Mas em tudo isso, Deus é justo por definição.

O versículo está dizendo que quando você lida com a tentação, você deve tratar diretamente de sua cobiça, e não culpar Deus e ficar de braços cruzados, ou permanecer no pecado. Leia todo o primeiro capítulo de Tiago e veja se esta não é a ênfase óbvia. Tiago trata da alegria, fé, perseverança, dúvida, orgulho, cobiça, ira, imundície moral e sobre ser praticante da palavra. Ele está tratando com as responsabilidades diretas dos cristãos na vida prática, e faz isso relacionando todas essas coisas com os motivos internos e com as características da pessoa.

No verso 13, o autor está instruindo o crente sobre como abordar corretamente a tentação – não tentando explicar a metafísica por trás disto. Ou, ele está considerando responsabilidade do crente nos fatores internos da santificação e não a causa metafísica ou princípios para estes. Mas a causa metafísica ou princípio é exatamente o que estamos discutindo quando consideramos se Deus é o autor do pecado. Portanto, Tiago 1:13 não é diretamente aplicável a nosso tópico. Se alguém ainda deseja negar que Deus é o autor do pecado, terá que usar outro verso.

Aqueles que citam Tiago 1 para reivindicar que Deus não pode ser o autor do pecado poderá usar o verso 17 [4] para ratificar sua interpretação do verso 13. Contudo, se o verso 17 é interpretado de maneira que é consistente com essa interpretação do verso 13, então haveria contradição com Isaías 45:7 [5]. Mas se o verso 17 é interpretado corretamente de maneira que não contradiga Isaías 45:7, então não mais confirma a falsa interpretação do verso 13. Um exame mais detalhado do verso 17 terá de esperar, mas o que já foi dito torna essa interpretação do verso 17 impossível, então não preciso dizer mais para nosso presente propósito. O fato é que nada nessa passagem de Tiago nega (ou afirma) que Deus é o autor do pecado.
O motivo e efeito da resposta popular é satisfazer o padrão humano de justiça e retidão. Dabney, Shedd e outros admitem que suas respostas destina-se a satisfazer a intuição humana. Se não fosse pelo fato que a soberania absoluta de Deus é repugnatne à intuição humana pecaminosa, defeituosa pelo efeito noético do pecado, a questão do “autor do pecado” não teria um ponto de entrada lógico na discussão teológica.

Em contraste, a abordagem bíblica para este tipo de questões e objeções não é para justificar Deus, mas reprovar o homem por questionar e objetar.

Nossa passagem em Isaías 45 é um exemplo:

"Eu sou o SENHOR, e não há outro; fora de mim não há Deus [...] eu sou o SENHOR, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas.

Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes? ou a tua obra: Não tens mãos?

Ai daquele que diz ao pai: Que é o que geras? E à mulher: Que dás tu à luz?"

Em outras palavras, “Eu sou o único Deus. Se é prosperidade ou disastre, sou Eu quem faço todas estas coisas – não existe outro deus para fazê-las. Você ousa a me questionar sobre isso? Quem é você para contestar?”

Embora esse verso não possa resolver todos os detalhes conclusivamente, ao contrário de Tiago 1, tem algo a ver com metafísica. Ele é o único Deus, e isto está inseparavelmente conectado ao fato de que Ele é o único Deus que causa “todas estas coisas”, incluindo prosperidade e desastre. Ele é quem faz todas elas. Isso é a negação de qualquer tipo de dualismo – não existe nenhum outro poder que pode fazer prosperar ou causar um desastre [6].

Ao contrário da explicação tradicional, Deus não diz: “Oh, não, Eu não sou o autor do pecado. Embora eu seja a causa final de todas as coisas, eu me distancio de causar diretamente o mal estabelecendo causas secundárias e agentes livres. Então, embora eu tenha criado e sustente todas as coisas, os homens pecam livremente pensando e agindo de acordo com suas próprias inclinações. As inclinações para o mal vêm de Adão. Como Adão adquiriu esta inclinação para o mal... bem, isso permanecerá um mistério para vocês.” Se esta é a resposta, porque não ir direto ao mistério e poupar tempo a todos nós?

A Bíblia nunca responde desta maneira este tipo de questão e objeção. Existem muitas passagens bíblicas dizendo que Deus causa todas as coisas, e a metafísica por trás disso é explicada pela onipotência de Deus – a mesma onipotência que criou todas as coisas. Por outro lado, todas as passagens que as pessoas usam para negar que Deus é o autor do pecado ou para provar a compatibilidade são sempre apenas descrições de eventos e motivos, sem lidar com a causa metafísica destes eventos e motivos.

Ao invés de dar a resposta popular, que é fraca, evasiva, incoerente e confusa, Deus desavergonhadamente declara: “Sim, Eu faço todas estas coisas. O que você fará a respeito disso? Quem é você para me perguntar sobre isso?” Quanto à metafísica, incluindo a relação de Deus com as decisões humanas, se para o bem ou para o mal, é assim que a Bíblia responde.

Então, lemos em Romanos 9:19-21:

"Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?"

Novamente, aqui há algo a ver com a metafísica (determinismo, liberdade, etc.), uma vez que o contexto tem a ver com eleição e reprovação, e a criação dos eleitos e não-eleitos, como o oleiro faz o vaso a partir da terra.

E, ao contrário da resposta típica, Paulo não diz: “Oh, não, você não entende. Embora Deus determine todas as coisas, Ele causa todas as coisas apenas através de você tomando decisões de acordo com sua própria natureza, que vem de Adão, cuja natureza misteriosamente deixou de ser santa para ser má, de maneira que Deus não é o autor do pecado, mas que você é responsável pelas próprias decisões e ações.”

Em vez disso, Paulo diz que o controle de Deus sobre ambos, o “nobre” e o “comum”, é como o controle do oleiro sobre o vaso [7]. E assim como o vaso de barro não pode perguntar ao oleiro, a resposta de Paulo a quem questiona não é: “Mas vocês fizeram de si mesmos pessoas más” ou “Vocês praticam o mal livremente de acordo com a própria natureza”, mas ao invés disso ele diz: “Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: 'Por que me fizeste assim'?” [8] E Paulo não diz: “Mas Deus não é o autor do pecado” mas invés disso, ele diz: “Deus tem o direito de fazer uma pessoa justa e outra má, para salvar uma e condenar outra. E é claro, ninguém pode resistir à Sua vontade! Mas quem é você para responder? ”

Esta é a abordagem da Bíblia. Ela reprova quem questiona e responde a objeção ao mesmo tempo. Mas a respota não nega que Deus é a causa direta do pecado; invés disso, diz ousadamente que Deus tem o direito de fazer o que Ele quiser e faz o que Ele quer. Ao invés de recuar ou se desviar, vai de encontro a quem questiona e lhe dá um tapa na face!

Esta é a resposta de Deus. É forte, direta, simples, coerente e irrefutável. É perfeita.



* O sentido, aqui, é que Deus seja o culpado pelo pecado que alguém comete.

[1] Ver Hodge, Dabney, Shedd, etc.
[2] Mas como já disse repetidamente, não existe conexão entre liberdade e culpabilidade.

[3] "Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência." - Tiago 1:13-14

[4] "Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação." - Tiago 1:17

[5] Esse artigo foi apresentado originalmente após uma discussão sobre Isaías 45:7, que diz: “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas.”

[6] Alguns fazem uma distinção entre mal moral e natural, mas a Bíblia diz que Deus causa ambos. Veja meu artigo “O problema do mal”**

**Este artigo deve ser traduzido em breve.

[7] Obviamente, isto é apenas uma uma analogia; na verdade, o controle de Deus sobre nós é muito maior que o controle do oleiro sobre o vaso, uma vez que o oleiro não criou o barro e seu controle sobre o mesmo é limitado – por exemplo, ele não pode fazer o barro se tonar outro. Mas Deus criou todo o material com o qual trabalha e tem controle completo sobre ele.

[8] Assim, Paulo afirma que os réprobos são feitos réprobos por Deus, mas que eles não têm o direito de reclamar.

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